terça-feira, junho 01, 2010
DESPORTO É SAÚDE?
Morte de atleta em campo traz à tona discussões sobre a prática de esportes em nível de competição. Em princípio, a resposta ainda é sim. Mas, para especialistas, excesso de exercícios em esportes de competição não é saudável
Por Renato Marques
No último dia 28 de outubro, o esporte brasileiro viveu um dos momentos mais delicados de sua história. Aos 14 minutos do segundo tempo da partida entre São Paulo e São Caetano, válida pela 38ª rodada do Campeonato Brasileiro, o zagueiro Serginho, do Azulão, caiu em campo. Atendido rapidamente pelos médicos das duas equipes, o jogador não resistiu, falecendo algumas horas depois no hospital para onde foi encaminhado.
Nos dias que se seguiram ao incidente, muitas especulações tomaram conta do noticiário. Tudo foi questionado, desde a atuação dos médicos até um possível atraso na saída da ambulância, passando pela negligência dos dirigentes do São Caetano. Embora já se reconheça o caso como uma fatalidade, que poderia ter ocorrido em qualquer circunstância, trouxe à tona uma série de discussões sobre o esporte de competição e suas conseqüências.
A primeira, e talvez mais grave, das constatações é a de que, definitivamente, esporte competitivo não é sinônimo de saúde - ao contrário do que pensa a grande maioria. Levar e manter atletas no limite da capacidade física é uma atividade de risco, que pode provocar sérios danos ao corpo do esportista. "Se considerarmos rigidamente os conceitos de saúde, o esporte de competição não pode ser considerado uma prática saudável. Com certeza, não", crava o fisiologista e coordenador do CEMAFE/Unifesp (Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte da Universidade Federal de São Paulo), Turíbio Leite de Barros.
"Se considerarmos as estatísticas de lesões e problemas físicos, a maioria deles no próprio aparelho locomotor, os indivíduos que praticam esporte competitivo têm uma incidência muito maior. Pior do que isso é que, na terceira idade, eles carregam seqüelas que se distanciam muito do conceito de vida saudável", complementa Barros. "Na realidade, a principal razão para isso ser verdadeiro é que quando o objetivo é a competição, claramente não se busca saúde. A busca é por dinheiro. E é isso que faz com que se tornem necessárias sérias concessões em termos de saúde."
Logicamente, não se pode culpar unicamente o esporte competitivo pelas mortes ocorridas nos campos de futebol. A prática esportiva, ainda que em excesso, não mata ninguém isoladamente. Mas também não se pode negar que essa prática desmedida, muitas vezes cobrada dos atletas atualmente, tem papel decisivo na evolução de determinados quadros patológicos, tornando o atleta mais vulnerável a determinadas complicações. Sendo assim, a situação só chegará a condições críticas se houver uma doença pré-existente - o esporte não cria cardiopatias, por exemplo.
No entanto, essa atividade, classificada como profissional, pode provocar alterações no quadro geral do atleta e, principalmente, acelerar determinados quadros patológicos. "Isso também não quer dizer que a pessoa vai morrer por fazer atividade física. É preciso ter uma doença de base para que uma atividade muito intensa possa desencadear algum problema", explica o Médico Especialista em Medicina Esportiva do CEMAFE/Unifesp, Paulo Zogaib. "Se o indivíduo faz uma atividade muito intensa, durante muito tempo, pode criar desadaptações, ou seja, alterações, nos sistemas cardiocirculatório, pulmonar, endócrino, neurológico, até no aparelho locomotor, que são lesivas ao corpo."
Sobrecarga e saúde do coração
Neste contexto, por incrível que pareça, o órgão menos atingido é o próprio coração - a não ser, naturalmente, que já exista uma cardiopatia. "Não existe nenhuma evidência na literatura médica de que o exercício, mesmo de alto rendimento, traga problemas ao coração. De fato, o atleta tem um coração diferente do individuo normal", afirma Barros. "Mas se este atleta não tem nenhuma doença, é um coração diferente porque ele é supernormal. Nunca anormal ou sub-normal. É o órgão, na verdade, que menos problemas tem com o excesso de atividade."
Ainda assim, dois pontos precisam ser tratados com cuidado. Em primeiro lugar, a questão de que a sobrecarga de exercícios pode acelerar processos patológicos causados por má-formação genética, podendo provocar, até mesmo, um ataque fatal. "Traçando uma metáfora, podemos dizer que a atividade física, no caso, é o gatilho, não a pólvora. A pólvora já existia ali e ela poderia explodir se o indivíduo estivesse em casa, ou, como muitas vezes acontece, até dormindo", diz Barros. Nessas situações, no entanto, é praticamente impossível controlar este "gatilho".
Isso acontece porque no esporte competitivo, ao contrário do que acontece nas atividades físicas leves e que visam apenas o condicionamento físico, não há como controlar a carga de exigência, uma vez que os limites são extremamente tênues. No caso das atividades controladas, é possível dimensiona-las para que funcionem, até mesmo, como elemento curativo em algumas patologias. No entanto, em meio a uma disputa importante, seja uma final no futebol, uma corrida no atletismo ou os 100 metros na natação, é difícil - até mesmo pelo envolvimento emocional - controlar a carga aplicada no atleta de maneira que ela não ultrapasse o limiar permitido pela doença que ele carrega.
"Não há como controlar a sobrecarga no esporte competitivo. Isso acaba, na grande maioria das vezes, sendo prejudicial, mesmo que a atividade pudesse beneficiar aquele indivíduo", afirma Zogaib. "Imagine um atleta em uma final de campeonato. Ele vai se envolver emocionalmente e correr muito mais do que pode. Esse controle não funciona. Se você precisar controlar a carga, se o indivíduo tiver limitação de prática esportiva, não pode praticar esporte competitivo."
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1 comentário:
No nosso caso, o risco é enorme.
1º Não temos Medicina Desportiva digna deste nome, nomeadamente nos aspectos da prevenção e exame médico (triagem de situações potencialmente perigosas).
2º Os nossos níveis de treino são na generalidade muito baixos em volume/intensidade e em qualidade, não promovendo suporte "fisico" suficiente para as exigências competitivas.
3º Tal como o especialista brasileiro afirma, não é possivel controlar a intensidade na prática competitiva, onde a exigência é a mesma para todos, mais ou menos bem condicionados.
4º Neste momento vivemos nas "meias-tintas" nem proporcionamos as condições para ter atletas verdadeiramente formados e competitivos (competição), nem proporcionamos uma prática equilibrada unicamente com o objectivo da actividade fisica e lazer (saúde).
5º E isto não tem nada haver com o futebol, é transversal ao desporto em geral...
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